sobre um livro

Ainda me lembro do dia em que ela saiu por aquela porta sem dizer uma palavra. Ou melhor, sem dizer uma palavra e sem nem olhar pra trás.
 Aquilo me disse muito de uma só vez. Aquilo foi o adeus silencioso mais doloroso que eu havia recebido em toda a minha vida. Todos se vão e mesmo que eu ainda guarde um pouco de cada um que passou por mim nesses vinte anos de vida, eu não consigo superar aquele adeus.

Naquela mesma manhã, ela havia chegado feliz, com um livro nos braços dizendo que era meu.
Uma semana antes, ela me pedira um livro emprestado, logo após eu contar a história de como meus avós se casaram por causa de um livro.

- Uma vez, minha avó, que já conhecia meu avô da escola, disse que gostaria muito de ler uma obra que se chama "Dom Quixote de la Mancha" é um livro de Miguel de Cervantes.
- Todo mundo já ouviu falar de Dom Quixote - ela me enterrompeu.
- Pois bem, meu avô, disse que usava sempre um marca textos dentro do livro, e que era pra que ela o mantivesse ali, já que ele estava lendo o livro. Minha avó disse que Ok, não mudaria o marca-páginas de lugar, mas que leria o livro todo. 

Parei um pouco pra respirar, meus pulmões não suportam muito. Acendi outro cigarro.

- Então - continuei - minha avó escreveu uma carta e deixou em uma das páginas do livro, e o devolver uma semana depois, dizendo que amou o livro e que era o melhor livro que ela havia lido até então. Meu avô, sem saber, pegou o livro e levou pra casa, para continuar a ler. avançando algumas páginas, encontrou a carta, uma carta muito bonita que ele me mostrou uma vez. Acho que a carta mais bonita que eu já li.
- E o que ele fez depois de ler a carta?
- Bom, ele foi até a casa dela, convidou-a para tomar um sorvete e mostrou o que tinha encontrado. Minha avó com vergonha não respondeu nada. Mas confirmou quando mau avô perguntou se tudo aquilo era verdade. Ali eles começaram a história deles. Com a ajuda de um livro.
- Ai, eu achei tão linda essa história.
- É muito bonita mesmo. Meu avô teve muita sorte de conhecer minha avó.

Ela havia demonstrado um certo encantamento na história, e logo em seguida me pediu um livro emprestado. Disse que sentiu vontade de ler. Eu tinha alguns livros, não eram muitos, mas o suficiente para que eu não conseguisse ler todos. Mesmo comprando livros todo mês, eu ainda não conseguia ler todos.

Alguns dias se passaram e ela dizia gostar do livro, sempre que vinha até minha casa. Se não me engano, ela havia levado um livro de Machado de Assis, ou de José Saramago.

Aquela noite o livro voltou. Mas ela, diferente, não disse um tchau, ou adeus, ou coisa parecida. Deixou-o em cima da mesa, disse que precisava ir e apenas foi.

Aquilo foi o mais doloroso adeus que recebi.

Não posso negar que o livro continua na mesa, e eu tenho sentado de frente a ele todos os dias, enquanto fumo meu cigarro e tomo uma cerveja, torcendo para abri-lo e encontrar uma pequena carta. Dizendo qualquer coisa que seja verdadeiro. Que seja uma declaração de amor, e ela esteja me esperando para tomar um sorvete, ou que seja um "desapareça", mas que seja algo.

O livro continua em cima da mesa. 
Ela se foi.
Não volta mais.

Levou algo meu. Seja a história dos meus avós, seja outra coisa, mas levou algo meu. 

Talvez um dia,e só um dia, eu crie coragem para abrir este livro e descobrir se há algo aqui, ou se apenas o texto se mantém, e ela se quer se lembra de mim.\


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