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Era cerca de 3 horas da manhã de uma terça-feira comum, quando me sentei na cozinha com uma garrafa.
Enquanto eu olhava pra ela, e ela me olhava, várias coisas passavam pela minha cabeça. Desde as minhas partidas, partidas de outras pessoas, mudanças, medos.
Tudo se passava por aqueles cinquenta centimetros de olhares.
Me lembro apenas de pegar o cigarro quando ele se sentou a minha frente, sorrindo, como sempre.
- Como você está hoje? Não era pra estar dormindo?
- Ah, to indo. E sim, eu deveria estar dormindo.
- E tá fazendo o que aqui? Aliás, me da um gole aí. A garganta tá bem seca.
Fui até o armário, peguei os copos americanos, exatamente aquele copo americano que foi inventado aqui no Brasil, peguei dois, voltei calmamente. Vi que ele usava uma roupa parecida com a minha. Camisa regata, bermuda preta, o boné virado pra trás.
Ele ainda me olhava sorrindo.
Servi.
- Então - ele disse - você deveria estar dormindo, logo logo vai ter que trabalhar, não é?
- Pois é, os livros não se compram sozinhos, não é mesmo?
Ele riu.
- Tu começou a ler aquele livro novo do Dostoiévski? Aliás, tu acabou o último livro que começou?
- Ainda não, pras duas perguntas. Não é tão simples assim finalizar um livro. Você sabe bem. Toma um cigarro - estendi a mão entregando um cigarro pra ele.
- Você está diferente, o que está acontecendo?
- Nada - respondi.
- Nada? Vamos lá. O que esse livro do bigodudo tá fazendo em cima do sofá?
- Não posso mais ler Nietzsche?
- Pode, claro que pode. Até gosto quando você faz isso. Desistiu de novo, não foi?
- Desistir de que?
- Oras, da vida. Do que mais você desiste? São 3 horas da manhã e tu tá bebendo, fumando e conversando comigo, mesmo sabendo que logo menos vai trabalhar. Só pode ter desistido!
- Como desistir do que já não tem mais?
- Tá, sem drama nem mistério. O que tá rolando?
- Eu perdi o controle da minha vida. Só isso mesmo!
- Eu não diria menos com essa cena toda que estou vendo.
Enchi os copos mais uma vez.
- Vou te dizer, é bem simples - disse jogando o pouco cabelo que tinha pro lado - Você se lembra da última vez que saiu da última cidade em que morou?
- Sim, fomos trabalhar lá naquela usina, ficamos seis meses lá e voltamos depois disso. Mas o que tem?
- Em seis meses, quantas pessoas esqueceram como eramos?
- Sei lá, algumas?
- Algumas. E é isso que acontece, sempre.
- Calma aí. Como Jack o Estripador, por favor.
Eu ri um pouco com a forma como ele disse. Foi como se estivesse confuso e não soubesse como expressar uma frase para que eu explicasse melhor isso tudo. Enquanto se arrumava na cadeira e apagava o cigarro no cinzeiro improvisado na mesa.
- Ok, vamos lá - disse mais uma vez me arrumando para explicar tudo - Sempre seremos nada, na verdade, seremos memória, por algum curto espaço de tempo, certo?
- Sim, aquele lance lá da foto e depois nem isso, né?
- Isso, isso mesmo. Eu fui um pouco mais longe que isso, e tô entendendo que, eu machuco muita gente, e é fácil perceber isso, elas esquecem de mim muito rápido. Lembra aquela moça que você gostava lá na outra cidade?
- A da padaria?
- Sim, ela mesma.
- Claro, pensa numa morena simpática.
- Ok, esse não é o cerne do assunto agora, depois que a gente foi trabalhar, você lembra o espanto no qual ela te viu na volta?
- Sim, me lembro de ela ter assustado, pelo menos foi o que ela disse.
- Na verdade, você machucou muito ela. A gente foi trabalhar fora, ela não sofreu mais, e se esqueceu de você.
Ele olhou por um tempo pro teto, olhou tudo em sua volta.
- E você voltou então, não foi? - disse ele me olhando.
Sorri, abaixei um pouco a cabeça.
- Voltei, você se lembra do velho eu, não é?
- Claro, eu sempre gostei mais dele do que desse seu "atual", mas por que voltou?
- Tem coisas que a gente não deve mexer, não é? Algumas coisas tem que ficar guardadas aqui.
- Entendi, a gente pode ouvir música aqui? - ele disse.
- São 3 da manhã, e eu vou trabalhar daqui a pouco
Ele sorri.
- Mas você já perdeu o controle da sua vida, não é mesmo?
Sorrimos.
- Os cds de Doom tão ali no canto, mas põe baixo, que a vizinha aqui enche o saco pra caralho com as músicas.
- Fica tranquilo, a gente ainda tem muito pra conversar. Eu trouxe mais cigarro e já sei que você tem mais bebida aí.
- Bota a música então. Acho que eu estou na minha melhor companhia.
Enquanto eu olhava pra ela, e ela me olhava, várias coisas passavam pela minha cabeça. Desde as minhas partidas, partidas de outras pessoas, mudanças, medos.
Tudo se passava por aqueles cinquenta centimetros de olhares.
Me lembro apenas de pegar o cigarro quando ele se sentou a minha frente, sorrindo, como sempre.
- Como você está hoje? Não era pra estar dormindo?
- Ah, to indo. E sim, eu deveria estar dormindo.
- E tá fazendo o que aqui? Aliás, me da um gole aí. A garganta tá bem seca.
Fui até o armário, peguei os copos americanos, exatamente aquele copo americano que foi inventado aqui no Brasil, peguei dois, voltei calmamente. Vi que ele usava uma roupa parecida com a minha. Camisa regata, bermuda preta, o boné virado pra trás.
Ele ainda me olhava sorrindo.
Servi.
- Então - ele disse - você deveria estar dormindo, logo logo vai ter que trabalhar, não é?
- Pois é, os livros não se compram sozinhos, não é mesmo?
Ele riu.
- Tu começou a ler aquele livro novo do Dostoiévski? Aliás, tu acabou o último livro que começou?
- Ainda não, pras duas perguntas. Não é tão simples assim finalizar um livro. Você sabe bem. Toma um cigarro - estendi a mão entregando um cigarro pra ele.
- Você está diferente, o que está acontecendo?
- Nada - respondi.
- Nada? Vamos lá. O que esse livro do bigodudo tá fazendo em cima do sofá?
- Não posso mais ler Nietzsche?
- Pode, claro que pode. Até gosto quando você faz isso. Desistiu de novo, não foi?
- Desistir de que?
- Oras, da vida. Do que mais você desiste? São 3 horas da manhã e tu tá bebendo, fumando e conversando comigo, mesmo sabendo que logo menos vai trabalhar. Só pode ter desistido!
- Como desistir do que já não tem mais?
- Tá, sem drama nem mistério. O que tá rolando?
- Eu perdi o controle da minha vida. Só isso mesmo!
- Eu não diria menos com essa cena toda que estou vendo.
Enchi os copos mais uma vez.
- Vou te dizer, é bem simples - disse jogando o pouco cabelo que tinha pro lado - Você se lembra da última vez que saiu da última cidade em que morou?
- Sim, fomos trabalhar lá naquela usina, ficamos seis meses lá e voltamos depois disso. Mas o que tem?
- Em seis meses, quantas pessoas esqueceram como eramos?
- Sei lá, algumas?
- Algumas. E é isso que acontece, sempre.
- Calma aí. Como Jack o Estripador, por favor.
Eu ri um pouco com a forma como ele disse. Foi como se estivesse confuso e não soubesse como expressar uma frase para que eu explicasse melhor isso tudo. Enquanto se arrumava na cadeira e apagava o cigarro no cinzeiro improvisado na mesa.
- Ok, vamos lá - disse mais uma vez me arrumando para explicar tudo - Sempre seremos nada, na verdade, seremos memória, por algum curto espaço de tempo, certo?
- Sim, aquele lance lá da foto e depois nem isso, né?
- Isso, isso mesmo. Eu fui um pouco mais longe que isso, e tô entendendo que, eu machuco muita gente, e é fácil perceber isso, elas esquecem de mim muito rápido. Lembra aquela moça que você gostava lá na outra cidade?
- A da padaria?
- Sim, ela mesma.
- Claro, pensa numa morena simpática.
- Ok, esse não é o cerne do assunto agora, depois que a gente foi trabalhar, você lembra o espanto no qual ela te viu na volta?
- Sim, me lembro de ela ter assustado, pelo menos foi o que ela disse.
- Na verdade, você machucou muito ela. A gente foi trabalhar fora, ela não sofreu mais, e se esqueceu de você.
Ele olhou por um tempo pro teto, olhou tudo em sua volta.
- E você voltou então, não foi? - disse ele me olhando.
Sorri, abaixei um pouco a cabeça.
- Voltei, você se lembra do velho eu, não é?
- Claro, eu sempre gostei mais dele do que desse seu "atual", mas por que voltou?
- Tem coisas que a gente não deve mexer, não é? Algumas coisas tem que ficar guardadas aqui.
- Entendi, a gente pode ouvir música aqui? - ele disse.
- São 3 da manhã, e eu vou trabalhar daqui a pouco
Ele sorri.
- Mas você já perdeu o controle da sua vida, não é mesmo?
Sorrimos.
- Os cds de Doom tão ali no canto, mas põe baixo, que a vizinha aqui enche o saco pra caralho com as músicas.
- Fica tranquilo, a gente ainda tem muito pra conversar. Eu trouxe mais cigarro e já sei que você tem mais bebida aí.
- Bota a música então. Acho que eu estou na minha melhor companhia.
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