sobre um encontro


É uma noite chuvosa, e enquanto os pingos de chuva marcam a janela, vou eu, sentado sozinho na cozinha, numa cadeira, em meio a todo espaço vazio do apartamento, tragando um cigarro.  Minha cabeça está uma bagunça, é sempre assim quando ela se vai. Ela não se foi pra sempre, eu sei. Mas a cada saída e a distância deixam minha cabeça confusa.
Entre um trago e outro, busco o copo cheio, dou um gole, o estômago vazio recebe como uma bordoada, foda-se.
A fumaça sobe, enquanto naquele espaço vazio que chamo de casa, o tudo se transforma em nada e o nada invade meu corpo. Tudo o que tenho agora, é a lembrança da noite passada, e dos momentos antes de ela partir.
O apartamento não é dos maiores, e nem tem muitas coisas, mas tem o básico para que eu possa viver normalmente e muitos livros. Sim, muitos livros. As estantes cheias de livros dão um ar de espaço cheio. Na sala, um pequeno sofá, uma tv e mais nada. A cozinha, um fogão e um micro-ondas, uma pia e uma geladeira. O quarto, um colchão no chão, uma pilha de papéis, um notebook e um rádio velho, que ainda toca CD, K7 e Vinil.
Tudo aconteceu de forma bem natural e não esperávamos por isso.
Era fim de semana, e eu estava em casa, escrevendo e fazendo qualquer outra coisa, quando o interfone toca. Atendo. É ela que me chama com um sorriso no rosto, que deu pra perceber com o seu tom de voz.
- oi, sou eu, posso subir?
- claro, sobe aí.
Abri o portão, destranquei a porta do apartamento, enquanto tentava arrumar tudo em menos de cinco minutos. Ela chega, bate na porta, eu grito:
- ENTRA AÍ!!!
Ela entra, sorrindo e me dizendo um grande Olá. Com os braços abertos vindo em minha direção.
- eu tava com saudade de você já.
- haha, eu também tava. E ai, como foi a semana?
- ah, foi corrida, trabalho, casa e cuidar de todos os assuntos da loja é foda.
- mas pelo menos passamos por mais uma semana, HAHAH
Ela põe a mão na frente do rosto enquanto ri.
- por que tá rindo?
- por que é engraçado ver você sendo otimista.
Rimos.
- fica a vontade ai, eu to dando uma geral no apê.
- vou ver seus livros, acho até que vou emprestar alguns.
- beleza, fica à vontade.
Enquanto eu arrumava o mais rápido o possível as coisas que estavam fora de lugar, observei-a enquanto via os livros. Caralho, ela é linda.
Com a vassoura na mão e olhando para ela, fiquei cerca de 5 minutos hipnotizado. Ela usava uma calça jeans azul, uma blusa cinza e com seus cabelos longos que chegavam até os ombros, olhava para os livros com um interesse diferente de tudo. Ela pegou um livro, olhou, leu atrás dele, abriu, cheirou o livro. Leu as primeiras linhas da primeira página.
- Esse tal Camus é bom? Cê tem um monte de livros dele.
Acordei do hipnotismo assustado
- é sim, eu gosto bastante. Quer levar ele pra ler?
- vou separar alguns aqui, posso? – ela disse olhando pra mim.
- claro, escolhe ai. Só não leva o do Mutarelli que eu to acabando de ler.
- qual você tá lendo? Tem uns seis do Mutarelli aqui.
- ah, to lendo o último.
- tá, vou ver outro.
Acabei de arrumar o apartamento, e peguei algumas latas de cerveja que tinham na geladeira, e fui em direção a sala.
- quer? – ofereci a lata.
- quero.
Corri até o quarto, peguei aquele velho rádio, coloquei ao lado da tv. Coloquei um K7 antigo que eu tinha guardado e sentei no sofá ao lado dela. Era sempre bom ter sua companhia, independente do lugar e da ocasião. Ficávamos sempre conversando e rindo das coisas da vida. Ela tinha um olhar penetrante e muitas vezes eu me perdia no seu olhar. Enquanto conversávamos ali mesmo, me perdi algumas vezes e, quando ela percebia, sempre dizia: “o que foi?”, e eu voltava até mim. Me perdi várias vezes.
Enquanto a música toca, (eu não sei nem qual música é) ela sorri e fala sobre como está difícil ler todos os livros que ela gostaria de ler. Eu, me perco a cada olhar e palavra, enquanto tento focar em não beijar ela ali mesmo. Ela sorri e parece estar bem feliz.
Enquanto bebemos, pergunto se posso fumar um cigarro, ela diz que sim e pede um também. Enquanto a fumaça sobe e conversamos, ela diz estar um pouco triste, mas não diz o porquê. Simplesmente diz que está triste. Nos aquietamos por alguns minutos, e num impulso pego na mão dela, com intuito de consola-la.
Talvez eu devesse ter feito isso antes. Inexplicavelmente, no mesmo momento em que fiz isso, meu coração acelerou, quase pulava pela boca. Ela olhou para mim com um olhar um pouco assustado, enquanto soltou minha mão.
- desculpa. – eu disse.
- não, não precisa pedir desculpa – dizia ela com uma mão no peito, como se estivesse com o coração apertado – não sei por que me sinto assim com você.
- assim como?
- assim, com o coração acelerado. Você só tocou minha mão.
Enquanto isso, meu coração se acelerava mais ainda, e as palavras sumiam da minha cabeça, da minha boca e eu estava travado olhando pra ela como se só ela existisse naquele momento ( e era exatamente isso, só ela existia ali pra mim ).
Ela se sentou um pouco mais perto, disse que gostava muito de mim e que queria muito me ver feliz. Eu me segurei muito para não tomar uma atitude indevida, então, coloquei minha mão sobre seus ombros, cheguei bem perto do seu ouvido e disse:
- eu gosto muito de você também. Tudo o que eu quero é te ver feliz.
Ela respira fundo.
Eu respiro fundo e travo.
- você tá falando sério? De verdade?
- sim, tô falando sério.
Nossos olhos se cruzam e enquanto ela me olha, eu me perco no seu olhar novamente. Ficamos alguns minutos nos olhando, enquanto estávamos abraçados. Ela coloca a mão na minha perna e meu coração dobra de aceleração, e eu não consigo dizer muita coisa, mas continuo ali. Ela começa a sorrir enquanto me olha eu chego bem próximo dela sussurro “você não vai me beijar?” ela sorri, diz que não pode. Me aproximo, dou um pequeno beijo nela enquanto dou um abraço apertado e tentei dizer o que eu sentia com o abraço, sem palavras, só um abraço.
Ela se levanta, me olha com um sorriso no rosto, diz que precisa ir. Que está ficando tarde e que tem umas coisas pra fazer ainda. De fato está ficando tarde mesmo.
Vou até a cozinha, peço para que ela espere só um minuto. Pego um copo com água, planejo descer com ela e levar ela até o carro. Vou até a cozinha desejando que ela desista de ir embora, e que diga que quer ficar aqui comigo. Me viro, para voltar a sala, e ela está parada me olhando, com um sorriso e com uma aparência maravilhosa.
- eu vou te dar uma coisa antes de ir embora.
Ela não me deixa responder, se aproxima, coloca a mão na minha cintura enquanto automaticamente eu passo minha mão pelo seu rosto e chego até seu cabelo. Ela se aproxima da minha boca, aperta minhas costas e sussurra: “eu amo você!”.
Aqueles minutos se tornaram meus melhores minutos da vida, eu queria que ela nunca mais fosse embora, queria que ela ficasse pra sempre, só para que eu pudesse olhar pra ela enquanto ela bebe um gole de cerveja ou enquanto traga um cigarro, ou então quando ela olha pra mim e me deixa confuso e perdido no seu olhar. Eu queria poder ter ela pra sempre na minha vida e nunca mais me preocupar com as partidas, nunca mais esperar desesperadamente pelas chegadas, por que elas não seriam mais incertas, elas seriam sempre reais e diretas pra mim.
Depois do beijo, ela me olha, sorri. Diz que precisa mesmo ir, e que não queria, mas precisa.
Eu não consigo me mecher, estou travado e encantado com ela. Ela se vai, sorrindo e dizendo baixinho “eu te amo, eu te amo, eu te amo, eu te amo, eu te amo”
A porta se fecha, ela se foi.
Cinco minutos, uma mensagem chega.
“eu adorei esses nosso momento, queria que isso se repetisse”
Sorrindo, respondo:
“eu também quero que isso se repita.”
Ela se foi, então.
Agora eu estou aqui, sentado nessa cozinha vazia, cheio de saudade, de vontade.
Estou aqui, cheio, num cômodo vazio esperando o interfone tocar e ouvir sua voz dizendo novamente:
- oi, sou eu, posso subir?

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