sobre sentir.

Era tarde da noite, todos dormiam ,eu continuava sentado a beira do prédio da marginal. acabei de receber uma ligação, onde a ultima frase foi "não dá mais, não me procure". era sempre assim, as mesmas frases sempre.

"você é louco, não da mais!", "você é um caso perdido", "eu gosto muito de você, mas nessas situações, eu não consigo"

Ninguém entendia o que se passava aqui dentro. Todas iam embora da mesma forma. certa vez, alguém me disse que nunca iria se afastar e que me queria por perto o tempo todo. Esta foi a primeira pessoa que eu nunca mais vi na minha vida. Outra, vira e mexe, aparece por aqui, da uma passeada, tira um sarro da minha cara e vai embora. Talvez essa seja importante, por que sempre me salva. Desta vez ela apareceu, diferente mais apareceu.

Como eu disse, estava sentado a beira do prédio, olhando para o nada, olhando para dentro de mim. duas garrafas vazias do lado, alguns maços de cigarro. a ideia era ficar ali, tão bêbado a ponto de escorregar e deixar que a queda livre resolvesse todos os meus problemas. nenhuma ligação, ninguém se importava. bebo uma garrafa, olho para o celular, lanço-a em meio ao escuro, conto 6 segundos e ouço o barulho dela quebrando no chão.

"esse é o tempo que vai demorar, o que vai se passar pela minha cabeça enquanto meu corpo estiver caindo?" - pensei.

Abro a outra garrafa, mais um cigarro e a primeira memoria que me vem a mente é de como eu gostava da forma como ela me olhava, ou de como eu gostava da forma como ela balançava o cabelo quando sentava do meu lado enquanto eu escrevia alguma coisa numa folha de papel qualquer.

mais um gole, um gole dos grandes. o cigarro acabou e eu pego outro.

ninguém ainda sentiu minha falta, ou não se importa mesmo. ninguém me procurou.

a fumaça do cigarro, densa do primeiro trago, ofusca um pouco a minha visão, e dessa fumaça, vejo alguém sentado ao meu lado, uma mulher.

cabelos compridos, pretos, vestia uma calça preta, uma jaqueta que parecia ser de couro, algumas tatuagens no pescoço. Eu sabia que conhecia ela de algum lugar. olhei novamente, coturnos, calça preta, jaqueta de couro. era ela.

- Oi? - ela disse.
- oi...
- De novo nisso né? HAHAH
- sim, e ninguém veio até aqui de novo, só você!
- você sabe que, eu vou estar sempre com você. aqui ou em qualquer lugar. eu só estou aqui por sua causa.

seus olhos castanhos, grandes, me olhavam enquanto falava com um sorriso no rosto.

sorri de volta.

- e por que você vai ficar aqui quando ninguém mais fica? olha só pra mim, alcoolatra, narcótico, não tenho nada além de toda essa confusão de sentimentos e essa necessidade de desistir de tudo a todo momento.

ela sorri, se encolhe toda enquanto faz isso, talvez o frio fizesse com que ela encolhesse. eu já não sentia mais o frio.

- como eu te falei, eu só estou aqui, graças a você, se não fosse por você eu se quer existiria.

- eu sei disso, mas por que você é diferente delas e por que você não vai também, você tem que ser feliz, e ninguém é feliz quando eu to perto.

- você é uma bomba ambulante de caos, angústia e nada. eu quero estar perto quando essa bomba explodir, quero fazer parte das pessoas que te ajudaram de alguma forma. mesmo eu não estando aqui sem o alcool.

ela se levanta, passa a mão no meu cabelo como se me dissesse "deixa explodir que depois vai ficar tudo bem", sorri e vai embora.

eu precisava, talvez, ouvir aquilo. e aquilo me acalmou, deixei a garrafa cair, mais uma vez, contei até seis. ouvi ela quebrando no chão, cheguei mais a ponta da beirada, olhei pro nada. sorri e me deixei ir ...

.

.

.

.

.

.

...


Imagem por Harut Movsisyan

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

seguir.

sobre se sentir sozinho

Sobre partidas.