Sozinho.

Eu me lembro do dia em que entrei por aquela porta, sentei de frente comigo mesmo, segurei minha mão e falei comigo mesmo: "a gente precisa conversar."

Era quarta-feira e nada acontecia. O Vazio tomava conta do apartamento todo. Tudo o que eu tinha eram cigarros, algumas garrafas vazias e um vazio que transbordava o peito. Ela sempre chegava de mansinho e sentava-se com uma cerveja ao meu lado. Oferecia um cigarro, dizia como tinha sido seu dia. Mas ela havia ido embora.

Me lembro do domingo a noite, quando depois de uma discussão, ela jogou uma garrafa de whiskey 12 anos em cima de mim. Por sorte ela era ruim de mira e a garrafa explodiu a parede. Haviamos discutido por alguma besteira qualquer. Eu não estava bem, minha vida já não tinha sentido e tudo a minha volta era cinza. Ela se divertia e via a vida com cores e com muita vida. Eramos opostos um do outro. Mas aquela foi a primeira vez que a vi brava, bom, e a última também.

Aquilo nunca mais passaria. O vazio havia tomado conta de tudo.

O cigarro ainda queimava na poltrona quando entrei. Sentei-me de frente comigo mesmo e olhei bem pros meus olhos.

- Vamo lá, a gente precisa conversar!
- De novo?
- Sim, de novo. Cê fez merda, tá ligado disso né?
- Eu sempre faço.
- E o que você vai fazer com relação a isso? Vai deixar ela ir também?
- Eu não vou segurar ninguém. Você sabe bem disso.
- Da última vez, tu lembra que tua mãe foi embora, disse que você é um caso perdido.
- Minha mãe sempre achou isso. Aliás, me passa aquele maço de cigarros ali, o meu acabou.
- Toma!
- Obrigado!
- Você sabe que não deveria ser tão frio, sabe que deveria entender mais as pessoas, ela se preocupava com você!
- Será?
- Por que você acha que não?
- Quantas vezes, aquela vizinha do 103 já perguntou se você (ou a gente) estava bem, deu aquele sorriso e olhou pra você (ou a gente)?
- Algumas vezes, mas o que isso tem a ver?
- Você não queria chamar ela pra tomar alguma coisa?
- "Nós" queríamos.
- Pois então, será mesmo que ela se importava tanto assim? Ou será que ela fugiria depois de saber da nossa existência?
- Eu ainda nao entendi!
- Vamos lá, toma um cigarro que isso vai ser filosófico.

Meu outro eu acendeu o cigarro, deu uma tragada e relaxou um pouco.

- Pode falar - ele disse.
- Pois então, você pode me dizer o que quiser, mas nada é incondicional nesse mundo. Aquela moça lá, com certeza tinha algum interesse na gente. Como por exemplo, sua amizade com o rapaz do 128.
- Nossa, como você viaja!!!
- Não viajo, eles estão saindo. Ele vai pedir ela em namoro.
- Mas... Ela conversava com a gente até ontem?!!
- Tudo é condicionado, mano. Talvez ela entre aqui e fale as mesmas coisas que minha mãe disse quando saiu... nunca vou saber.
- A do 103?
- Não, a que saiu daqui agora.
- Ah! Vai sim, pq lá vem ela.

Ela abriu a porta com violência. Quase que com um chute ou soco e disse:

- Eu só vou dizer uma coisa pra você: Você é um caso perdido. Só vou pegar meus óculos escuros e não quero mais saber que você existe, tá certo?
- Ok! - respondi

Ela pegou os óculos, saiu e bateu a porta.

- Eu não disse - meu outro eu falou.
- Pois é, somos um caso perdido.
- Somos não, ela falou isso pra você!

Ele se levanta. Sorri.

- Eu acho que te entendi. Você tá daquele jeito de novo. Melhor eu ir.
- Se quiser, pode ficar. Tem bastante espaço aqui.
- Eu sei. Mas é melhor eu ir.

Ele também se foi. Todos vão, independente se seja condicional ou incondicional. Uma hora a gente tá sozinho e continua sozinho pra sempre.



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